Segundo Caderno, O Globo
Parece que não sei ver filmes. Sempre temo estar desatento para os detalhes cruciais que definem a trama. E isso acontece com frequência considerável. Mesmo assim fui crítico de cinema aos 18 anos. E agora me chamaram para ser diretor convidado do festival de Telluride, um evento de pura cinefilia. Não entendo direito os filmes. E mesmo de filmes que adoro se apagam dados do enredo. Gravo melhor os climas poéticos ou plásticos do que os fatos narrados. Qualquer amigo meu rirá ao ler isto aqui. É que tenho fama de ser um grande contador de filmes — alguns chegando a dizer que filmes são melhores contados por mim do que vistos. O que eles não sabem é que contar um filme em voz alta é um meio de eu tentar me ensinar algo sobre o que foi narrado pelas imagens. É parte do processo de percepção: narro sobretudo para mim mesmo. Por isso tudo foi um experimento e tanto assistir a “A árvore da vida”, com um amigo com quem pouco falei, e, no dia seguinte, ir sozinho ver “Melancolia”.
Eu tinha lido os artigos de Francisco Bosco e de Contar- do Calligaris — e tinha gosta- do muito. Ambos reverberam o Nietzsche que me encantava no tempo em que Jorge Mautner era um neopagão em tudo oposto ao seguidor de Jesus de Nazareth que ele é hoje (embora fosse tão unicamente Mautner então quanto agora). Gosto de “Cinzas no paraíso”, de Malick, e detesto os filmes de Lars von Trier que vi. Mas gostei mais de “Melancolia” do que de “Árvore”. Na verdade, comecei por achar, vendo os trailers de ambos, que os dois filmes eram o mesmo. E ainda agora, tendo visto os dois por inteiro, me pergunto se não são ambos tão aparentados por serem sintomáticos do tempo que vivemos. São filmes bem diferentes, me entendam. Quase opostos. O do americano Malick é tão europeu em seu desprezo pelo aspecto entretenimento quanto um Resnais ou um Godard. Já Trier, europeu de fato, exibe o quanto aprendeu com Holywood sobre suspense e diversão. Do “dogma” só restaram alguns jump-cuts.
Enquanto “A árvore da vida” faz tudo para parecer “arte” mas chega a Discovery Channel e “Nosso lar”, “Meancolia” tem pedigree do mundo culto e fica à vontade para usar um subwoofer de “Transformers” como som da presença do planeta matador.
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