sábado, 10 de setembro de 2011

De Niro: cinema ajudou NY após 11/9

The New York Times
Robert De Niro*

Eu creio que aqueles dentre nós que moravam e trabalhavam no centro de Nova York em 2001 sentiram de maneira mais direta os ataques contra o World Trade Center. Ainda hoje é possível sentir isso. O Ground Zero (o local em que ficavam as torres gêmeas) é o nosso bairro, de forma que nós nos vimos cercados pela devastação após o 11 de setembro.

Eu me recordo de que naquele dia eu estava em uma reunião, prestes a seguir para o aeroporto a fim de embarcar em um voo para Los Angeles, quando o meu filho Raphael me telefonou para dizer que um avião tinha se chocado contra o World Trade Center. Eu fui imediatamente para casa.

Do meu apartamento, eu podia ver as torres, que ficavam a uma distância aproximada de nove quarteirões. Eu observei a cena com um binóculo enquanto as chamas e a fumaça subiam dos prédios. Quando a Torre Sul desabou, a televisão estava ligada em uma rede de notícias e eu tive que sair da janela e ir até a tela para confirmar aquilo que eu estava vendo com os meus próprios olhos; a cena era surrealista. Depois disso a Torre Norte caiu. Presenciar tudo isso foi algo que estava além do inacreditável.

Eu não perdi nenhum parente ou amigo próximo quando as torres desabaram, mas, após os ataques, tudo o que eu havia feito e tudo pelo qual eu estava lutando não tinha mais sentido; tudo parou. Eu creio que o 11 de setembro afetou todos os nova-iorquinos drasticamente de alguma forma.

Um desastre faz com que emerja aquilo que há de melhor no interior dos indivíduos. Eu penso nos bombeiros, policiais e cidadãos que responderam à emergência. Muitos deles morreram heroicamente. Responder a situações como aquela é algo que faz parte da natureza humana; a vontade de deixar de lado aquilo que se está fazendo e ajudar. Quando algo horrível como os ataques de 11 de setembro acontece, as pessoas se ajudam. Quaisquer que sejam as nossas diferenças, nós as esquecemos e nos unimos.

Logo após o 11 de setembro, o prefeito Giuliani disse que as pessoas deveriam retornar, na medida do possível, à sua rotina cotidiana na cidade. Para fazer tal coisa, nós precisaríamos começar de novo – limpar os destroços e seguir com a vida no nosso bairro. Para mim, a mensagem de Giuliani fez bastante sentido. Nós precisávamos reconstruir aquilo que havíamos perdido.

Aquele foi um período difícil. O centro da cidade estava aberto apenas para o tráfego de pedestres, com uma exceção para veículos envolvidos em operações de resgate. Era necessário mostrar um documento de identificação para entrar na área. Durante dias e semanas o comércio local lutou para sobreviver. Ninguém queria ir ao centro.

A minha sócia, Jane Rosenthal, o marido dela, Craig Hatkoff, e eu demos início a um programa chamado Dinner Downtown, que consistia em trazer as pessoas de volta para ajudar a reviver os bairros afetados. As pessoas vinham de ônibus para Chinatown, Little Italy, Tribeca, Wall Street, ou para onde pudessem. Nós jantávamos com elas, e o programa cresceu. Foi uma pequena coisa que pudemos fazer para ajudar, e nós esperávamos fazer mais.

Antes do 11 de setembro, nós estudávamos a ideia de criar um festival de cinema em Nova York. Depois dos ataques nós tivemos a impressão de que o festival poderia trazer mais gente de volta para a área. Assim, começamos a ligar para pessoas como Martin Scorcese, Meryl Streep, Ed Burns e muitas outras. Todos queriam ajudar.

De Niro
Já no início, o festival ganhou vida própria. O prefeito Bloomberg, que sucedeu a Giuliani, e o governador Pataki ajudaram bastante. O American Express, cuja sede ficava no centro da cidade, tornou-se um dos patrocinadores. Mas nós jamais teríamos conseguido fazer com que o festival acontecesse sem os milhares de voluntários.

Ao contrário de vários outros festivais, este diz respeito a comunidade e família: é um verdadeiro festival de cinema de bairro.

Eu sinto um orgulho especial daquilo que atrai a todos para o festival: as feiras familiares de rua, as exibições de abertura nos píeres e todos os eventos que utilizam o comércio local, desde restaurantes até a Faculdade Comunitária da Região de Manhattan – isso para não mencionar todos os filmes. Nós desejávamos ajudar e eu espero que tenhamos tido sucesso.

Após o primeiro festival, nós jamais pensamos que faríamos um segundo, mas agora, dez anos depois, aqui estamos nós. É uma tradição. O festival tornou-se parte da vida cultural da cidade, o que é tremendamente satisfatório.

Certas pessoas acham que o ritmo da recuperação da cidade tem sido lento, especialmente no Ground Zero, mas Nova York possui diversas partes móveis e interesses conflitantes que chocam-se entre si. Talvez nós necessitássemos de dez anos para colocar o 11 de setembro sob um tipo de perspectiva capaz de ajudar a cidade a reconstruir-se da forma correta.

Pessoas de todo o mundo vieram para assistir ao festival. Uma delas foi Sheikha Al Mayassa bint Hamad bin Khalifa al-Thani, filha de Sheik Hamad bin Khalifa al-Thani, o emir governante de Qatar. Ela desejava contribuir para a criação de um festival em Doha.

Nós achamos que o festival de Doha seria uma boa ideia, e isso nos deu a oportunidade de interagir com uma comunidade no Oriente Médio. Essa parceria foi um passo na direção certa para ajudar a gerar consciência. Ambos os festivais teriam um impacto sobre a cultura, e não apenas em nível local: o 11 de setembro foi um fato de importância mundial.

No fim das contas, nós podemos ter as nossas diferenças, e até mesmo exibir atitudes estereotipadas em relação aos outros, mas assim que nos tornamos mais conscientes, fica bem mais fácil perceber que não somos diferentes uns dos outros.

* Tradução publicada pelo UOL


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