São Paulo, segunda-feira, 30 de maio de 2011 |
RUY CASTRO Irrealismos RIO DE JANEIRO - Nos filmes da Hollywood clássica (leia-se, do cinema surdo a, no máximo, 1965), ninguém trancava a porta do carro ao estacionar. Aliás, era tranquilo estacionar. Não se sabe por quê, todo mundo entrava ou saía do carro pelo lado do motorista. E, se o sujeito tinha de pagar o táxi, já tirava do bolso o dinheiro certo, sem olhar, e nunca esperava o troco. Idem quanto à conta do restaurante ou do bar -era só deixar o dinheiro na mesa ou no balcão, e sair. Moeda para dar gorjeta ou para falar ao telefone não era problema -bastava enfiar a mão no bolso. Era também do bolso (do paletó, de preferência) que saía o cigarro -solto, avulso-, não de um maço ou cigarreira. O fósforo era aceso na sola do sapato ou na parede. E fumar consistia em acender o cigarro, dar uma tragada, lembrar-se de algo urgente e jogar o cigarro fora. Mesma coisa, comer. O personagem sentava-se à mesa, punha o guardanapo no colo, dava uma garfada, e um importante compromisso obrigava-o a levantar-se e sair correndo. Fazer a barba, também. O galã ensaboava o rosto, aplicava a navalha uma ou duas vezes e, por qualquer motivo, tinha de interromper. Limpava a espuma com a toalha e, ora, veja, já estava barbeado por baixo. Outra cena clássica era a de bater no gancho do telefone para recuperar a linha. O sujeito estava falando e a ligação era cortada. Dava, então, várias pancadinhas no gancho. Mas a linha nunca voltava. E este era o único traço de realismo naqueles filmes em que as mulheres, mesmo depois de ir para a cama sofrendo e chorando, acordavam prontas, maquiadas e lindas. Em Brasília, também é assim. Depois de ir para a cama rindo, feliz e exultante, qualquer político importante, mesmo acusado de grossas e cabeludas falcatruas que constrangem a nação e abalam o equilíbrio político, continua acordando rindo, feliz e exultante. Folha.com |
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