sábado, 3 de março de 2012

Dois filmes: "J. Edgar" e "A Separação"

Sérgio Telles - O Estado de S.Paulo

Fui ver J. Edgar, o filme de Clint Eastwood sobre o poderoso chefão do FBI, munido com a imagem mais difundida de Hoover, ou seja, o homem que chantageou a América durante 48 anos, ameaçando a todos com seus arquivos secretos. Imaginava que personagem tão desprovido de valores seria merecidamente exposto e denegrido no filme.

Já A Separação, do cineasta iraniano Asghar Farhadi, me fez pensar que seria mais um daqueles chatíssimos filmes "de arte" de país de Terceiro Mundo, nos quais a limitação de recursos se apresenta como inovação formal e a cuja apresentação o politicamente correto nos obriga a adotar uma postura condescendente e protetora.

Constatei estar completamente equivocado ao assisti-los, ficando evidente para mim que havia entrado nos filmes carregado de ideias preconcebidas, esperando que elas ali se confirmassem, o que, para minha surpresa e alegria, não aconteceu. O episódio deixou claro, mais uma vez, o peso das crenças e ideias pré-formadas com as quais nos revestimos para obter um mínimo de segurança ao pisar no terreno movediço da realidade. São referenciais que nos orientam, permitindo manter a rota certa em meio aos confusos labirintos pelos quais transitamos no correr da vida. Se, por um lado, nos protegem, por outro - ao se cristalizarem como preconceitos - nos limitam e cerceiam, engessando e estreitando nossa visão do mundo.

É aí onde entra a decisiva importância da arte, que oferece um enfoque diferente do esperado, do habitual, do clichê, ampliando e enriquecendo nosso ângulo de visão.

Distante do estereótipo, o retrato que Eastwood pinta de Hoover é complexo, nele convivendo o bem e o mal. Vemos a chantagem constante feita contra presidentes e desafetos, a manipulação da mídia em seu próprio proveito, a criação da imagem de super-homem que resolveu o caso do sequestro do filho de Lindbergh, o exercício abusivo do poder. Mas vemos também seus esforços para desenvolver a racionalização dos métodos de arquivação, iniciados com sucesso na Biblioteca do Congresso e levados para o Bureau; sua atitude pioneira na implantação dos métodos de investigação científica até então inexistentes; a compreensão da importância do registro das impressões digitais para a identificação em massa, etc.

Eastwood devolve a Hoover a ambiguidade, detém-se em seus delírios messiânicos de ser o anjo vingador que salvaria a América dos perigos externos (comunismo) e internos (gangsterismo, políticos corruptos), sem perceber que ele mesmo era peça importante do sistema que pensava combater. Dominado por conflitos e contradições, mantinha uma hipócrita fachada com a qual escondia de todos seu homossexualismo e o hábito de cross dressing. A propósito, Eastwood com poucas imagens ilustra de forma correta a psicodinâmica dessa condição - a forte fixação na mãe, que impediu Hoover de ter uma vida amorosa ou sexual mais satisfatória e que o levou a fazer uma identificação com ela após sua morte, usando seus colares e vestidos.

Também o filme A Separação foge das ideias preconcebidas em torno do Islã. As interpretações apressadas sempre o mostram como o antípoda do Ocidente, um mundo estranho ao nosso, com o qual nada temos em comum.


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