segunda-feira, 10 de outubro de 2011

A história do cinema: Rússia


A história do cinema na Rússia retoma a série de artigos que contam o desenvolvimento da indústria cinematográfica pelas lentes de Cannes em diversos países. CineLux respeita a versão original dos textos e grafias.

POR JOEL CHAPRON *
“Coroem um Americano, são uns vendidos à América; coroem um Russo e são comunistas” - dizia Cocteau que sabia do que falava, ele que foi por duas vezes presidente do júri e uma vez presidente de honra de Cannes. De facto, a União Soviética terá sido o único país a conhecer tanta agitação política em torno da sua presença, bem como das suas ausências. Durante os vinte e cinco primeiros anos em que os próprios países enviavam os seus filmes, as relações mudaram ao sabor das reviravoltas políticas dos dois países, sendo o festival um dos principais desafios dessas relações. 

Solicitada, como todos os outros países, por via diplomática, a União Soviética foi convidada para o primeiro festival de Cannes de 1939. A França estava desejosa desta presença por motivos políticos evidentes, pois tentava fazer da URSS uma aliada. A 13 de Agosto de 1939, Viatcheslav Molotov, presidente do Conselho de Ministros, assinou uma nota secreta dirigida ao Politburo segundo a qual nomeia “o camarada Kormilitsine, chefe da representação comercial da URSS em França, membro do Júri do festival de Cannes, e o camarada Polonski, director do estúdio Mosfilm, representante da cinematografia soviética. 

Dois dias depois, o Politburo homologa a decisão e a URSS, respondendo aos favores que lhe são concedidos pela França em número de filmes apresentados, designa 4 longas-metragens e 4 curtas-metragens. Mas a 23 de Agosto, o mesmo Molotov assina com o representante de Hitler, Joachim von Ribbentrop, o Pacto de não agressão germano-soviético; as esperanças francesas caem por terra, a guerra é declarada, o festival não se realiza: Kormilitsine nunca será jurado.

A partir da preparação do verdadeiro primeiro festival, a França decide convidar prioritariamente as nações vitoriosas, das quais a URSS faz evidentemente parte. Durante esta edição de Setembro de 1946, a delegação soviética destaca-se pelas suas festas nas quais se serve caviar e vodka à discrição (a tradição perdurará até à Perestroika), mas cujos convidados são obrigados a trazer na lapela uma pequena bandeira encarnada com a inscrição: “A arte ao serviço da paz”. Contudo, perante os problemas técnicos ocorridos durante as projecções dos seus filmes (e não só), os Soviéticos apelam à sabotagem, começando aí uma longa série de protestos paranóicos que o festival vai ter de enfrentar durante quatro décadas. 


Em 1949, o Comité Central do Partido decide que a URSS não participará no festival, considerando-se lesada pelo regulamento que instituiu uma quota de filmes a apresentar por país proporcional à produção anual, dando-se assim importância aos filmes americanos. Volta apenas dois anos mais tarde após autorização do próprio Estaline, tendo os Soviéticos enviado 7 filmes para a manifestação acompanhados pelo encenador Vsevolod Poudovkine e por Nikolaï Tcherkassov, tornado célebre pelos papéis de Alexandre Nevski e de Ivan o Terrível de Eisenstein. 

Mas o documentário soviético-chinês de Sergueï Guerassimov, A China Libertada, é retirado da competição por parte do festival, ele próprio sob a pressão do governo francês que não quer “ferir o sentimento nacional” de outros países (um artigo do regulamento permite fazê-lo) que apenas reconhecem a Formosa e não a China maoísta: os Soviéticos, vexados, amuam nas edições de 1952 e 1953 e voltam, depois da morte de Estaline, em 1954 (com 120 quilos de caviar na bagagem para a sua famosa recepção!); por sua vez, apresentam queixa contra um filme sueco “que fere o sentimento nacional”…

Embora, em 1955, os filmes soviéticos tenham ganho cinco prémios (pela primeira vez, um cineasta soviético, Sergueï Youtkevitch, encontra-se no júri), é evidentemente o ano de 1958 que vai ficar marcado: ao obter, em pleno Degelo, a Palma de Ouro, a única da história do cinema russo até hoje, com Quando Voam as Cegonhas, Mikhaïl Kalatozov testemunha a renovação soviética.

* Joel Chapron é intérprete de russo, correspondente estrangeiro do Festival de Cannes, responsável pelos países da Europa Central e Oriental na Unifrance, professor associado à Universidade de Avignon, autor de vários artigos sobre as cinematografias da Europa de Leste, redator da nova edição do Dicionário do cinema (Larousse). 


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