quinta-feira, 6 de outubro de 2011

A história do cinema: Brasil


O cinema brasileiro pelas lentes da Cannes é o artigo de hoje, com participação especial do cineasta Cacá Diegues, contando, na primeira pessoa, como foi sua estreia, em 1964, acompanhado de Glauber Rocha, em Cannes.

Por Paulo Paranagua

Após a chegada da invenção de Edison e da Luz ao Rio de Janeiro, o cinema tornou-se numa expressão da relação triangular incessantemente mantida pela cultura brasileira com a Europa e os Estados Unidos. A “belle époque”, os primeiros anos do século XX, foi totalmente virada para as modas vindas de Paris, do Filme de Arte e das divas italianas.

A Primeira Guerra Mundial tornou as trocas transatlânticas mais difíceis e favoreceu a implantação das Majors de Hollywood. O principal realizador brasileiro da primeira metade do século, Humberto Mauro, um auto-didacta das profundezas de Minas Gerais, assimila a nova linguagem visual esmiuçando os filmes de King Vidor e Henry King. Personalidade complexa, a qual o festival de Cannes homenageou em 1982, Mauro é ao mesmo tempo um “moderno”, com o bichinho da técnica e da electrónica, e um conservador ligado ao mundo rural e patriarcal ameaçado pela urbanização acelerada.

Quando saiu da sua província para se estabelecer no Rio de Janeiro, a então capital do país, vai misturar as suas influências, inspirando-se frequentemente no cinema europeu. A sua obra de arte, Ganga Bruta (1933), é um filme soberbamente híbrido, intenso, entre o mudo e um falar balbuciante. Foi ainda na Europa que Mauro se inspirou para seu trabalho à frente do Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE). O debate europeu sobre o binómio cinema e educação e a actividade do Instituto Luce em Itália paira sobre o INCE, que favorece uma produção documental de qualidade. Mauro filma aí a série “Brasilianas”, ilustrando canções populares e melodias folclóricas, onde exprime livremente o seu lirismo.

No final da época dos filmes mudos, os filmes de Hollywood já dominavam o mercado local, mas não impediam que a vanguarda europeia estendesse a sua aura junto de uma elite. Dois Húngaros estabelecidos no Brasil, Rodolpho Rex Lustig e Adalberto Kemeny, tentam igualar Walther Ruttmann no seu documentário São Paulo, A Sinfonia da Metrópole (1929). Mário Peixoto, autor de uma obra absolutamente única, Limite (1930), auge dos filmes mudos latino-americanos, opõe-se às experiências mais arrojadas. Estigmatizado por Glauber Rocha, que não o tinha visto, Limite é, juntamente com Mauro, o exemplo das grandes esperanças que os brasileiros colocam no cinema para que revele as paisagens interiores e os vastos horizontes da sua época. 


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