terça-feira, 10 de julho de 2012

Arnaldo Woody Allen Jabor

Tenho saudades da 'alma' do cinema


Arnaldo Jabor - O Estado de S.Paulo

Muita gente chega para mim e diz: "Como é? Não vai fazer outro filme?" "Sei lá", respondo. E penso: "Que cinema? Comercial, metafísico, político, experimental? O quê?" Às vezes, me dá vontade de filmar alguma coisa tênue, poética, não mergulhada no labirinto de produção e distribuição. Nos anos 60, buscávamos um cinema essencial, o chamado "específico fílmico", que estaria talvez nos filmes de Eisenstein, ou em Murnau, ou em Dreyer, sei lá. Os cinéfilos pensavam: "Qual é a alma do cinema? O que é o cinema?" Isso me faz lembrar uma famosa frase do grande cineasta fundador Humberto Mauro que, aliás, já contei aqui nesta coluna. E repito.

Na verdade, tenho saudades do cinema, sim, justamente na época atual, em que as imagens inundam nossos olhos e ouvidos. Mas, tenho saudades de outro cinema, da fragilidade dos filmes antigos e da ideia do "objeto único" a que eles almejavam. Pouco antes de sua morte, conversei com Louis Malle sobre isso, no Rio - falamos do sonho, da utopia dos anos 60, alimentada pelo Cahiers du Cinéma, pelos círculos de fumaça dos "Gitanes" sem filtro, saudades do frisson culto das cinematecas.

Atualmente, a 'cinefilia' soa quase como um vício sexual; talvez tenha sido. Há um mundo secreto, próprio do cinema, que só alguns ainda conhecem. Hoje o cinema é nu. Está exposto nas lojas, feiras e bancas de jornais, está nos hotéis, na ponta dos dedos dos insones, está nas TVs, está rodando bolsinha nas ruas. Mas, se eu reclamo desta profusão, dizem: "Ah, qual é a tua, cara? Isso é bom para o cinema, aumenta a difusão no mercado, etc. e tal.!" Talvez, talvez, mas tenho saudades da sala escura, do cinema segredo, do cinema dos pobres tímidos e solitários, do cinema como realidade alternativa que analisávamos noite adentro nos bares.

Como era bom esperar um filme do Fellini, e o novo Antonioni, e o novo Godard... Não chego a ser um cinéfilo puro. Falta-me o gosto arquivista, o detalhe das fichas técnicas remotas, o mundo das fofocas de Hollywood. Mas tive e tenho amigos que me calam de respeito. Cinéfilo era, por exemplo, o Manuel Puig, o escritor e roteirista argentino que morou no Rio. Ele sabia tudo de qualquer filme. Outro dia, li um artigo sobre os últimos dias de Puig em Cuernavaca, no México. O relato era uma cena digna dos melodramas B que ele amava. Em sua vida, Puig tinha adotado dois "gays" jovens que ele chamava de suas "filhas". Uma delas era Yasmin, "filha" dele com o Ali Khan -, pois Puig brincava com a fantasia de ser a Rita Hayworth; a outra, (esqueci o nome) era "filha" dele (dela) com Orson Welles.

Continua O Estado de São Paulo


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