Abalado pelos valores da CIA
EUA toleram a morte de inocentes, desde que aquele que tenha cometido a atrocidade mantenha o zíper fechado
DAVID ROTHKOPF, FOREIGN POLICY, É ANALISTA DO CARNEGIE ENDOWMENT FOR INTERNATIONAL PEACE - O Estado de S.Paulo
James Bond é claramente um sociopata. Ele dispõe da vida humana e da propriedade com a maior desenvoltura e consome mulheres como se fossem batatinhas fritas. Evidentemente, como ele faz tudo isso ao serviço da rainha, nós perdoamos o seu menosprezo pela maioria dos valores que costumamos defender. E como ele o faz com certa distinção, ternos impecáveis e frases bem construídas para cada tiro mortal, durante 50 anos, ele tem sido um daqueles personagens emblemáticos que os homens gostariam de ser e com os quais as mulheres adorariam ter um caso.
Também no último episódio da saga Bond, Operação Skyfall, lançado nos Estados Unidos na semana passada, Daniel Craig, cujo Bond constitui a melhor de todas as suas encarnações, mais cheia de nuances do superespião de Ian Fleming, mostra o seu lado humano, não tanto revelando uma consciência ou escrúpulos em relação ao que faz, mas parecendo cansado do caos que tem de provocar e suportar. Tudo bem, no que nos diz respeito. O filme já faturou mais de US$ 500 milhões em todo o mundo e deverá estabelecer recordes para a série.
A pergunta é: nós amamos Bond em razão de seu iate e de seu movimentado estilo de vida ao redor do mundo graças ao seu superautomóvel (ele parece ser o único capaz de descobrir cassinos glamorosos e não lotados de velhos perdedores gordos que jogam nos caça-níqueis) ou porque ele é realmente capaz de destruir todas aquelas coisas sem precisar pagar um centavo?
Parece um ideal escapista, um universo paralelo em que a moral foi suspensa, salvo pelas coisas que não impedem o divertimento e uma boa história. De fato, o patriotismo enobrecedor é lindo, porque concede o passe livre que, no fim, é a licença de Bond para matar e destruir trens de passageiros com uma retroescavadeira. É absurdo. Ficção. Por isso, é claro, a única coisa mais absurda é a vida real.
Continua O Estado de São Paulo
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