Fernando Henrique Cardoso
Coluna publicada nos jornais O Estado de São Paulo, O Globo e em outros jornais estaduais
Após os dias tórridos da passagem do ano, São Paulo tornou-se mais amena. As férias escolares, o trânsito menos atormentado, os cinemas mais vazios e a temperatura agradável convidavam ao lazer. Assisti a um filme admirável, Amour, no qual dois atores, Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant, dirigidos por Michael Haneke, desenvolvem a trama do relacionamento de um casal de velhos músicos que leva uma vida confortável para os padrões europeus, embora sem serviços domésticos e isolado dos familiares. Além do mais, contratempos na velhice podem ser sofridos. O derrame da senhora não abala a ternura do marido. Mas o cotidiano é duro: ela tem de ir ao banheiro carregada, o marido tem de lhe dar de comer na boca, etc. Diante da piora da saúde da mãe a filha tem dificuldades para entender e lidar com a situação, denotando mais angústia do que afeição e, quiçá, alguma preocupação material com o que possa sobrar. O genro é insuportável e os netos nem aparecem. Resultado: os dois velhos vão se consumindo num mundo que é só deles, entre boas recordações e desespero, até um derradeiro gesto de amor.
São assim as relações humanas. Ambíguas, cambiantes, cheias de paixão e ódio. Mas em cada geração, mesmo na tensão e na discórdia, um entende a linguagem do outro. A vivência das mesmas situações cria referências culturais que acolchoam a razão. Foi sob o impacto emocional de Amour que participei de um jantar com o casal Grécia e Roberto Schwarz, amigos de mais de 50 anos. De tempos em tempos nos vemos, mantendo a amizade, embora no campo político estejamos apartados.
Por coincidência, no dia aprazado para o jantar, José Serra (outro amigo com quem convivo há mais de cinco décadas) marcara um encontro em minha casa. Minhas conversas com Serra são longas, de horas a fio. E raramente terminam no mesmo dia, posto que não seja notívago. Serra chegou indisposto. Imaginei que a conversa seria amarrada. Mas logo, com franqueza suficiente para cada um saber o que o outro pensa, fluiu bem. De repente olhei o relógio e adverti: daqui a pouco chegará o Roberto. Serra permaneceu.
Coluna publicada nos jornais O Estado de São Paulo, O Globo e em outros jornais estaduais
Após os dias tórridos da passagem do ano, São Paulo tornou-se mais amena. As férias escolares, o trânsito menos atormentado, os cinemas mais vazios e a temperatura agradável convidavam ao lazer. Assisti a um filme admirável, Amour, no qual dois atores, Emmanuelle Riva e Jean-Louis Trintignant, dirigidos por Michael Haneke, desenvolvem a trama do relacionamento de um casal de velhos músicos que leva uma vida confortável para os padrões europeus, embora sem serviços domésticos e isolado dos familiares. Além do mais, contratempos na velhice podem ser sofridos. O derrame da senhora não abala a ternura do marido. Mas o cotidiano é duro: ela tem de ir ao banheiro carregada, o marido tem de lhe dar de comer na boca, etc. Diante da piora da saúde da mãe a filha tem dificuldades para entender e lidar com a situação, denotando mais angústia do que afeição e, quiçá, alguma preocupação material com o que possa sobrar. O genro é insuportável e os netos nem aparecem. Resultado: os dois velhos vão se consumindo num mundo que é só deles, entre boas recordações e desespero, até um derradeiro gesto de amor.
São assim as relações humanas. Ambíguas, cambiantes, cheias de paixão e ódio. Mas em cada geração, mesmo na tensão e na discórdia, um entende a linguagem do outro. A vivência das mesmas situações cria referências culturais que acolchoam a razão. Foi sob o impacto emocional de Amour que participei de um jantar com o casal Grécia e Roberto Schwarz, amigos de mais de 50 anos. De tempos em tempos nos vemos, mantendo a amizade, embora no campo político estejamos apartados.
Por coincidência, no dia aprazado para o jantar, José Serra (outro amigo com quem convivo há mais de cinco décadas) marcara um encontro em minha casa. Minhas conversas com Serra são longas, de horas a fio. E raramente terminam no mesmo dia, posto que não seja notívago. Serra chegou indisposto. Imaginei que a conversa seria amarrada. Mas logo, com franqueza suficiente para cada um saber o que o outro pensa, fluiu bem. De repente olhei o relógio e adverti: daqui a pouco chegará o Roberto. Serra permaneceu.
Continua O Estado de São Paulo
A VIDA COMO ELA É
ResponderExcluirErcília Pollice*
PINÇADAS DE UMA CRÔNICA frases que mostram um outro olhar...
Quero falar da parte real e humana do filme.
Um casal de meia idade que se amava e tinha uma linda relação; estável e feliz, o que não significa, obrigatoriamnete, sem conflitos.
Eram professores de piano, pelo menos , ela tenho certeza, ele também tocava piano, mas isso não ficou claro no filme. Ela, sim, recebeu um ex- aluno concertista.
Tinham um genro e uma filha ligados à cencertos.
Esse casal na vlta à casa , na manhã seguinte ao concerto que foram assistir de um ex- aluno, extasiados, ainda, com a noite, comentando isso no café da manhã, quando a mulher tem uma ausência de minutos.
Ele tenta trazê-la de volta à realidde, mas vendo sua impossiblidade, corre a trocar de roupa, quando percebe, que a torneira da cozinha, que ele havia deixado escorrendo na pressa de socorrê-la, foi fechada.
Volta meio vestido, correndo, e, percebe que Anne não se lembra de nada e fica brava pensando que ele estava pregando-lhe uma peça- caçoando dela.
A coisa complica e ela foi internada com derrame , voltando do hospital em cadeiras de rodas, meio paralisada de um lado, mas consciente e lúcida, tentando mostrar-se bem.
Daí começa o drama da vida deles.
Ela torna-se uma pessoa difícil, e eu perguntei a mim mesma: Quem não se tornaria?
Ele torna-se um cumpridor eficaz de tarefas, mas ausente de toques, carinhos, ou brincadeiras..Nunca a levou para passear. Enclausurou-a no bonito e confortável apartamento, em Paris., onde moravam.
Não recebiam ninguém , salvo uma vez a filha e o marido, e outra vez o ex- aluno, concertista
Essa solidão a dois, a pior forma de solidão, trouxe à tona o que ambos tinham de pior; ela, um gênio difícil, ele um homem frio e cansado pelas tarefas diárias que tinha a enfrentar, cuidando sozinho da mulher amada e doente- as coisas que ela conseguia fazer com uma das mãos,apenas, no início, foram se tornando impossíveis
Mesmo a contratação de uma enfermeira 2 ou 3 vezes por semana, não aliviou sua carga; que consistia, desde dar-lhe comida na boca, lavar-lhe os cabelos, dar-lhe banho e algum tempo depois trocar-lhe as fraudas.
O amor foi azedando. O carinho exauriu-se.O cuidado virou obrigação.
A velhice e a doença são inndecentes por si mesmas, não precisam de mais nenhum componente a lhes acrescentar mais dissabores.
A fragilidade da natureza humana ficou tão patente, tão forte, tão triste.
Vivemos , como se fôssemos eternos, quando em verdade, nossa única certeza nesta vida , é de que um dia morreremos.
Ë fato, que não saber quando, nem como, nos alivia o presente, mas, não nos livra de um futuro, não tão risonho.
A tensão e a tristeza dessecasal frente ao sofrimento, a perda da fala, da comunicação, e consequentemente da esperança, fez dela alguém intratável, e dele um homem irritado, e com pavio curto.A verdade ,é que ele se sentia exausto, e ela não cooperava, pois a humilação era de tal monta que Anne escolheu a morte.
Nisso, estou com Anne. Eu também escolherei a morte à uma vida sem sentido e com doença. Bendita eutanázia, que permitiria a gente decidir entre viver bem ou não viver.
Passei o fime todo, meio com raiva dele. Por que ele não a alegrava, não a acarinhava, exceto duas vezes em que tomou-lhe a mão. Uma para cantar “ Sur Le pont D’Avgnon...en rond…”
Finalmente , um dia , ele tomou-lhe as mãos , num momento que Anne estava , muito agitada, quase que gritando dizendo: dói...dói ....dói...e a acalma, contando-lhe uma história de sua própria meninice , ou adolescência.
E ela foi se acalmando , acalmado até dormir.
Entãoí, num gesto de desespero, ele puxou um travesseiro, tapou-lhe o rosto e deu à mulher amada, o descanso merecido. Isto custou-lhe grande esforço, cansaço físico, moral e emocional.
Pela dedução, no passsar da história, arrumou-a na cama, com flores , compradas por ele mesmo, lacrou o quarto, pegou o casaco, e saiu de casa. Para onde?
Ficou em aberto...