São Paulo, sexta-feira, 04 de novembro de 2011
| cinema
CRÍTICA TERROR
Almodóvar se deixa ser sombrio sem abandonar cores vivas
"A Pele que Habito" traz Antonio Banderas em atuação soberba como cirurgião plástico obcecado pela mulher
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
À primeira vista, o novo filme de Pedro Almodóvar é uma costura de vários momentos do cinema.
Pensa-se em David Cronenberg no início, quando nos vemos diante de um tão célebre quanto sombrio cirurgião plástico, o dr. Ledgard (Antonio Banderas), que faz experiências delirantes em matéria de transplantes de pele.
Pensa-se, a seguir, no terrível dr. Phibes, obcecado pela ideia de dar vida, novamente, a sua querida mulher. Não é outro, aliás, o problema de Ledgard: reencontrar sua mulher, morta depois de um terrível acidente.
Para não fugir às convenções do gênero, trata-se de reconstruir um corpo a partir de outro: há um tanto de Frankenstein aí.
Ainda se pode acrescentar que Banderas está com a cara de Dana Andrews de "Suplício de uma Alma" (1956): soturno (e soberbo, esta é talvez sua melhor aparição no cinema em muitos anos).
Mas todas essas referências apenas enunciam o trabalho de bricolagem que o autor espanhol realizou.
Esse é o fundamento de "A Pele que Habito": a identidade, por um lado, o corpo mutante, por outro. O que não exclui nada, começando pela revolucionária pele sintética criada por Ledgard.
Se Ledgard aceita por princípio que o corpo é transformável, graças a sua pele sintética, para começar, é porque não reconhece nenhuma existência intrínseca a ele.
O eu que habita essa pele é vazio: a pele define não apenas a aparência, mas tudo o que nós somos.
A partir desse reconhecimento, algo se apresenta de maneira sólida: é um universo de terror o que se evoca.
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